segunda-feira, 18 de outubro de 2010

No meio dos panos de gavetas remexidas encontramos...

Peço licença, hoje, aos panos que vem inspirando os posts deste blog para publicar algo que não é exatamente 'um pano', mas sim um texto que daria sim, muito pano pra manga e que inspiraria N coleções de panos, oriundos das mentes brilhantes dos gênios da moda de nossa geração multicriativa.

Remexer gavetas pode trazer muitas surpresas. Fiz isso recentemente e encontrei originais de um manuscrito meu, concebido há quatro anos, quando morei em Brasília. Trata-se de uma versão adaptada da crônica ‘Ser Brotinho’, de Paulo Mendes Campos, texto extraído do livro ‘O Cego de Ipanema’ (RJ, 1960), e que me foi apresentado pelo meu querido amigo (fotógrafo e professor, hoje, em Goiânia/DF) Odinaldo Costa.


Manual para a posteridade de como SER DJI (*) [lê-se dê-jí]

Ser dji não é simplesmente causar, acontecer ou sair por aí fornecendo, incitando, ditando tendências ou algo assim. Ser dji é sorrir para homens com um sorriso meio Monalisa, puxando para o classic pin-up, metade fina, metade escória e debochar cruel e impiedosamente das mulheres infelizes que rondam, desavisadas, os cenários diários do seu filme. Ser dji é acordar amarrotada e desatualizada, com a cara tomada por vindos de lençol e ir até a banca mais próxima comprar o jornal de sábado para ver a agenda cultural. É ir nessa banca trajando só, e somente só, o short pijama do sono, que de tão surrado e transparente, denota uma nudez calamitosa, só percebida quando você volta da banca, meio tonta do mau olhado recebido em rajadas ferozes de outrem com inveja de sua silhueta slim – sim ser dji é ser slim, por favor.


            Ser dji é adormecer com o rosto acoplado ao peito, em frente ao computador e acordar de súbito com o friozinho da própria baba no abdômen, erguer a cabeça e desligar o PC com um único golpe de pé, no estabilizador. Ser dji é proferir neologismos, que de tão violentamente efêmeros imprimam um teor de rotatividade lingüística à sua retórica cotidiana, fazendo valer desta forma as aulas de português, em qualquer situação. É também sentir e saber o momento exato de negar toda essa pompa circunstancial e inflexionar bobagens e infortúnios com a veemência que lhe é peculiar, sem soar antiquada, over, mas convincente e, sobretudo, elegante.

            Assim como ser dji é o hit da temporada, o #1 absoluto de qualquer Top 10, ser dji é escrever cartas e crônicas para outras djis, enquanto lê simultaneamente uma outra crônica, tudo isso no ambiente de trabalho e, mesmo sendo interrompida trocentas e quem-souber-morre quantas vezes, retomar a narrativa sem perder o ritmo e o tom. É carregar não só na bolsa – de qualquer modelo, mas nunca, jamais, sem uma – mas, na cabeça, inúmeras e incontáveis referências, para realçar deliberações, abordagens e situações periclitantes. Ser dji é aderir ao modo QR code de pixar impressões sobre determinado local ou situação, afixando-os em superfícies planas. Sim, porque ser dji é ser profecia, amanhã, depois de amanhã, ter livros sobre 2099 na prateleira e ser tão avant garde que nem a tecnologia, no auge de sua modernidade, dê conta de você.


            Ser dji é comprar em brechós peças indispensáveis à sobrevivência da autoestima e ter alguma delas afanada sorrateiramente pela amiga dji mais próxima e invejosa. É, acima de qualquer coisa, ser multidisciplinar e pluricelular no quesito sociabilidade e colecionar um hall espantoso de amizades díspares, exatamente porque hype mesmo é ser amigo de A e marcar com B, numa mesma ocasião – ainda que B deteste e despreze A, e/ou vice versa – porém, conduzir solenemente a cena, também porque ser dji é ser criativa e absurda o bastante para descascar essas batatas, pelando de quentes!

            É ainda ser dji, essencialmente, assimilar naturalmente a capacidade e resistência de beber, seja qual for a bebida gelada – exceto uísques, camparis e outros amargores quentes – e ter pseudo-risos-em-drops amnésias alcoólicas no day after, no entanto, despertar do sono hibernal pronta para arrastar sozinha um trenó com meia dúzia de Papais Noéis em cima e, acima de tudo, sem uma única gota de cefaléia. Porque ser dji é cochilar em cima de caixas de som vibrantes em uma rave, é cheirar, no carnaval de Olinda, horrores de loló e, algumas horas depois, dormir sob um orelhão, rente a um muro, por detrás das pernas de amigos e próximo a um isopor com cervejas, no meio do rush da folia olindense. E após o singelo cochilo levantar-se, atingir o rio humano da avenida e atochar um beijo obsceno na boca do primeiro folião do sexo masculino que cruzar suas vistas, ainda meio turvas. É criar a paleta de cores derivadas do bege-creme-em-drops- cáqui-quase-pérola-pseudo-marfim-caramelo-fúxia-puxando-pro-terra-telha-rum-com-passas e alardear essa sublime tonalidade sempre que for pertinente. E, porque não, lançar a coleção prèt-á-porter baseada nessa paleta e explodir de tanto sucesso.

            Ser dji é escutar um miado na rua e rebater, na bucha, com um re-miado tão constrangedor quanto o desconforto excitante dos espectadores da cena e deixar o autor do miado ainda mais contrangido do que como ele achou que lhe deixaria. É paquerar a partir de pacotes, volumes, relevos e sobressalências e acompanhar o foco de um olhar secante, enquanto caminha por aproximadamente uns trezentos metros, sem tropeçar e sem perder o rumo, usando da mais poderosa visão periférica. É também iniciar por acaso e manter durante meses um romance de janela com o vizinho delícia do bloco em frente, sem sequer tê-lo visto mais de perto, senão através das vidraças que emolduram há todo esse tempo as mais tórridas e insanas cenas de voyeurismo selvagem.


            Assim como tão maravilhosa pode ser a vida neste planeta, ser dji é amar, incondicionalmente amar e também odiar pequeninas coisas banais, como, por exemplo, esquecer a carteira ou o celular em casa e voltar, da esquina, pra pegar, quando já se está atrasadíssimo; se ferir exageradamente ao fazer a barba ou simplesmente não decorar o trecho daquela música do seu artista preferido, por mais vezes que a tenha escutado. E ser dji é superar isso e passar a decorar letras de músicas com a velocidade do som e, de bônus, aprender a coreô bacana do clipe dessa canção, ir para a casa da amiga dji, reinventar coreografias e dança-las à completa exaustão, para uma platéia inexistente e imaginária, como num ensaio incessante para um show que jamais acontecerá, senão para a satisfação própria de exercitar destrezas. É conversar a até secar a saliva, rir até doer a barriga e logo após, adormecer sem sentir e sonhar com mil e uma coisas bárbaras e não lembrar de absolutamente nada, ao acordar. É perceber que ser dji é colorir o próprio anoitecer, para amanhecer mais mágico e realvorecer mais e mais uma vez uma legítima e autêntica dji brotinho.



Jô Oliveira
Brasília/DF – 14 de fevereiro de 2006

Fotos: Acervo TrendCoffee




(*) Breve etimologia neológica – A expressão DJI é uma abreviação de DJINDJA, que vem de GINJA, uma bebida artesanal feita à base da fruta de mesmo nome e, no caso da Ginja a que me refiro aqui, é feita com gengibre e que tem gosto travoso e teor alcoólico levemente carregado. A iguaria é oriuda das regiões da Massagueira e Marechal Deororo, em Alagoas, sendo comercializada e disseminada em Maceió por seus apreciadores.

5 comentários:

  1. Gostei da crônica, muito massa!! Publica mais, adorei!! ;)

    Bjim

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  2. adorei o trecho de dançar a coreografia pra uma "plateia"kkkkkk this is Us.

    adorei Jo. super vc, e vc Basta!!!....

    bjs

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  3. Fechou com seu irmão gêmeo, nhéam?!?! Aha,ha,aha,ha,ha,ha,a,aha,ha,haah,ah,aha,ha, ameeiiiii demais a crônica!!!
    Eu quero ser Dji... ooooooouuuuuuunnnnn!!!
    Beijãoooooooo, Jô!!!

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  4. Amei a crônica jô! ser Dji é ser Tudo o que há!!!!! hahahahaha
    =)

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  5. só vc mesmo hein!!!! juntando todas elas... em um só corpo... cada uma com sua história... mas com um DJI em comum! bjs

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